Qual é, chapa? Aqui é o Príncipe Mercador Gallywix. Você tá com esse livro na mão porque quer ser que nem o papai aqui, né? E quem não quer? Não tem goblin mais poderoso e perigoso que eu! E eu posso te dar as manhas pro sucesso.
Mas, antes, uma amigável notificação de contratualidade pra você.
Se você tá lendo isso sem ter comprado o livro, o nome é roubo. Você acha que uma folheadinha não machuca ninguém? Que você tá protegido pelos direitos do consumidor? Pois saiba que isso é uma enorme fanfarronice da sua parte! Foram espertinhos como você que melaram com a minha margem de lucro ano passado e impediram que eu concretizasse meu plano de fazer um puxadinho na minha mansão e encher de mobília comestível. Agora, ao invés dos pufes de chocolate e almofadinhas de mariola que eu mereço, tive que fazer tudo de seda! Você já tentou comer seda? Aliás, você sabe de onde vem a seda? Do traseiro de um verme! Você vai ter que ver isso aí: ou compra o livro, ou meus assassinos vão te caçar como o rato que você é.
O quê? Você duvida? Vem cá, você me conhece? Ninguém vira príncipe mercador se late sem morder. O título não passa de pai pra filho como aquela galhofada de rei dos humanos rosadinhos. Se eu disser que tem 32 espiões meus te observando agora mesmo, vendo você tremer na base, é melhor acreditar.
E nem adianta procurar, você não vai conseguir ver meus capangas. Melhor parar de perder tempo e arriscar a vida. Acho que uns 20 mil de ouro é uma pechincha pela história da minha vida. E se você leu mais isso sem ter comprado o livro ainda, pode ter certeza que vou queimar meu império inteiro só pra acabar com você. Tamos entendidos?
Muito bom. Agora é só pagar.
Pronto? Certeza? Excelente! Obrigado, panaca. Bem, você quer entrar pro ramo dos príncipes mercadores, né? Eu quero um exército de vários aníquilus com a minha cara pintada neles, mas como a negociação com a Legião Ardente não foi lá essas coisas, parece que nenhum de nós vai ter o que quer.
Por que você não pode ser príncipe mercador? É muito simples: porque todas as vagas já tão preenchidas por goblins melhores que você. Ainda falta muito pra você ter condição disso, mas não esquenta. Tu veio atrás do goblin certo.
Você deve ter ouvido muita fofoca sobre mim. “O Gallywix só é príncipe porque explodiu e vendeu tudo e todos que conhece. Quando o Monte Jakaro entrou em erupção, o Gallywix tinha o único barco pra fugir e cobrou de todo mundo um valor meramente simbólico: todas as economias da vida de todo mundo. Ele pegou as celebridades da aristocracia goblinoide, embalou como se fossem salsichas e tentou vender como escravos. O monstro do Gallywix traiu a raça inteira por um quaquilhão de paçoquinhas.”
Horrível, né?
Pois é, é tudo verdade. Por que eu mentiria? Eu nunca escondo as coisas que me deixam orgulhoso. Se o mundo fosse se partir em dois amanhã, eu compraria o Portal Negro, meteria uma catraca e cobraria dos refugiados o último centavo, os anéis e os dedos, a última bolacha do pacote e um contrato assinado em 3 vias, obrigando todo mundo a construir um palácio pra mim no céu de Nagrand. É como os goblins são! Oferta e procura! Se liga!
Mas é isso aí. Você comprou ingresso, e por isso vai saber os três segredos do maior príncipe mercador que essa bola de lama já viu. Rapidinho você vai ficar sabendo quais são. Na verdade, se você folhear o livro, vai descobrir que as trezentas páginas finais são cópias de jornais velhos e receitas de filé de urubu.
Foi mal, chapa. Não aceitamos devolução.

Segredo 1: Ninguém mexe na sua paçoca

No dia que completei dez anos, tomei a frente dos negócios falidos da família E do sindicato dos criminosos locais. Foi mais fácil que vender espelho pra um elfo sangrento. Escuta só…
Meu aniversário começou do mesmo jeito que todos os outros dias: meu papi quase me matou.
Não que ele já tenha tido a intenção. Na verdade, esse era meio o problema dele. Nada do que ele tenha feito terminou do jeito que ele queria, o que não tem graça quando você trabalha com explosivos. A única loja que resistia tava tão lá no meio da favela em Labútia que nem os coletores de impostos do Príncipe Mercador Maldy tavam seguros. O último perdeu as botas, foi enganado, insultado, amarrado a um barril de pólvora e rolado de volta pro chefe com um bilhete de recusa educadíssimo entre os dentes.
Meu papi viu na não cobrança de impostos uma super vantagem. Eu só via uma rua enlameada e lixo radioativo. Até os ratos tavam se mudando. O papi pensava que um dia ia se dar bem com uma invenção que ia abalar o mundo. Eu sabia que era só uma questão de tempo até que ele explodisse a gente, e decidi na noite anterior cair fora e virar pirata, como a mami.
Passei a noite toda fazendo as malas e planejando. As cinco paçoquinhas enfiadas nas minhas botas rasgadas eram o meu tesouro. O papi saiu da cama bem cedinho e começou a trabalhar na loja e falar sozinho. O processo de pesquisa e desenvolvimento dele tinha três etapas – otimismo, preocupação e pânico – e o terceiro podia sempre deixar você com alguns dedos, ou pele, a menos. Ele tava chegando nesse ponto quando fechei a mala e enfiei debaixo do meu colchão velho e fedorento.
– Isso – ele resmungou do outro lado de duas paredes finas como folhas. – Só um pouco mais apertado… apertado… opa. Ó, não! Não! Para! Moleque! Acorda e se protege!
Eu levantei despreocupadamente meu travesseiro revestido com chumbo quando, de repente, um ursinho de pelo laranja e a cara cheia de mecanismos atravessou a parede como um foguete. Ele me viu, soltou um guincho estridente e explodiu, lançando estilhaços pra todo lado.
Passos pesados trovejaram pelo corredor, e o papi apareceu pulando na minha porta. Ele não bateu antes, mas não porque tava com pressa. Na verdade, a porta tinha sido derretida com napalm no mês anterior.
– Tudo bem, moleque? Você viu? Um teste perfeito! Queima horizontal, trava de alvo ligada, um giro giroscópico, e bum! O sindicato disse que usar micro-bombas pra navegação e combustível de foguete pro impulso ia derreter a vizinhança inteira, mas nós mostram–
Joguei meu travesseiro estraçalhado no chão, ouvindo o metal bater.
– Aquele era o único protótipo, né?
– Bem, sim, mas–
– E os diagramas…? – perguntei, deixando ele responder. Eu já tinha muita experiência em conversar com ele.
– Roubados por uma galinha mecânica.
Essa era nova, mas eu não ia deixar ele desviar a conversa.
– Então você não vai conseguir construir de novo, né?
Ele abriu a boca irritado pra responder, e seus olhos se abriram cheios de horror. Eu balancei a cabeça positivamente. A rotina matinal tava completa. Hora de tomar café e dar no pé.
– Não importa, moleque. Eu saquei o princípio fundamental. Explosivos escondidos em objetos adoráveis são um mercado totalmente inexplorado. Nós vamos ficar ricos!
– Papi, o único jeito de a gente não ser mais pobre é você explodir a gente – eu tasquei.
– Isso não é justo, Jastor. É só uma questão de tempo.
– Quer saber? Você tá certo. Você vai matar a gente qualquer hora, papi. Eu acredito em você.
– Ei! Tem um monte de crianças goblins por aí que gostariam que seus pais fossem engenhoqueiros. Quando eu tinha sua idade, costumava sonhar–
– Essa história, papi? De novo?
– Que meus pais iam parar de escavar bueiros e iam começar a explodir algumas coisas. Você me preocupa com esse medo de explosões. Isso não é coisa de goblin.
– Não! Sabe o que não é coisa de goblin? Ter um filho e mandar ele “ir brincar”. Sabe qual é o problema? Não tem ninguém pra brincar! O Jelky passa o dia todo arrumando fusíveis. O Yoriz acorda com as galinhas pra misturar cimento. Sabe quão vergonhoso é não ser forçado pelo meu papi a trabalhar pra ele?
O papi jogou as mãos pra cima, virou as costas e voltou pelo corredor para a oficina.
– Vamos fazer o seguinte – ele gritou. – Por que você não deixa que eu cuido dos negócios, e eu deixo esse pacote de paçoca super açucarada aqui para a primeira criança que estiver fazendo aniversário por esses dias?
– Tenho certeza que você tem que vender alguma coisa pra ter negócios! – eu gritei, mas eu tinha outras preocupações. Paçoca super açucarada! Lanchinho pra viagem!
– Você acha que consegue fazer melhor? – ele gritou da loja. – Você pode tentar quando quis– oh, olá, cavalheiros.
Pareceu que o papi tinha clientes. Eu considerei isso um bom presságio pra minha viagem. Se algo tão improvável quanto negócios na loja do papi tavam acontecendo, eu não teria problema em achar um navio pra Kezan. Era capaz que eu achasse até um tubarão domado que me levasse pra uma ilha mágica de bolinhos e platina. Corri pelo corredor pra buscar umas paçocas.
A Paçocaria Açúcaraco não funciona mais. Uns anos antes dos orcs chegarem a Azeroth, a lojinha foi levemente bombardeada durante a Segunda Guerra Comercial, pesadamente bombardeada durante a Quarta Guerra Comercial, e derretida durante a Guerra Pacífica. A vizinhança inteira ficou com cheiro de açúcar e corpos queimados por um mês. Mas o lance é: se você nunca comeu paçoca da Paçocaria Açúcaraco, você nunca comeu paçoca de verdade. Ponto final.
Elas eram grandes o suficiente pra segurar com as duas mãos e queimadinhas nas bordas. Amendoins do tamanho de um punho de ogro. Um toque de canela e açúcar cristal. E eu só ganhava uma por ano.
Eu parei no fim do corredor e fiquei meio escondido nas sombras. Eu deveria ter percebido. Nada de clientes. Tucão e seus capangas estavam tentando sacolejar meu papi de novo.
Em Labútia, até os criminosos tavam falidos, e a Gangue da Rua do Cobre não era exceção. Ainda consigo ver o idiota do Tucão com seus brincos de ouro falso e seu terno fedido remendado. A melhor coisa que ele já fez foi se meter comigo.
Ele empurrou o papi na direção de uma bancada de três pernas e meia da loja enquanto, na outra ponta, minha paçoca balançou e caiu. Eu chiei, mas não era orgulhoso demais a ponto de não comer algo do chão. Você também comeria, acredite.
– O que vamos fazer com você, Luzik? – disse o Tucão. – Você nunca paga a gente na data. Na verdade, você nunca paga a gente. Eu odiaria ter que mandar o Pedroca aqui amanhã pra explodir… – O Tucão parou de falar enquanto procurava algo de valor à vista, mas só encontrou algumas bananas de dinamite que, como você sabe, já são feitas pra explodir.
– Olha, eu sinto muito – disse o meu papi. – O dinheiro tá curto, e eu mal tenho o suficiente pra mim!
– E paçocas, é o que parece – disse o Tucão, estendendo a mão…
Pra.
Minha.
Paçoca.
– Me paga tudo que me deve hoje à noite – ele continuou, enfiando a paçoca inteira na boca enquanto preciosas migalhas caíam na lapela sebosa do terno dele – ou eu vou queimar sua loja e cobrar pela gasolina.
Ele me viu no corredor, piscou e, inacreditavelmente, cuspiu o resto da paçoca pelo caminho.
E foi isso. Se não fosse pela paçoca, eu teria fugido pra ser um pobre rei pirata nos Mares do Sul, e o mundo teria sido um lugar bem diferente.
Eu entrei na loja titubeando. O papi tava falando comigo, mas eu não consegui ouvir por causa do sangue latejando nos meus ouvidos.
Eu poderia ter saído de Kezan se quisesse, mas não era isso que tava errado. Meu papi tinha deixado bandidinhos mequetrefes passarem a mão nas coisas dele. Eu também teria deixado eles pegarem a paçoca, e era esse era o problema. Era por isso que nós éramos pobres. Claro, o Tucão tinha uma gangue. Claro, ele tinha armas e algum dinheiro. Mas alguma coisa inflava na minha cabeça como uma revoada de zepelins atacando uma cabana de gnoll: uma instrução, todas as protuberâncias pontudas e partes lubrificadas. Essa loja era do meu papi, logo, era minha. Aquela paçoca era minha. Eu não culpei o Tucão por tentar, mas ninguém ia tomar o que era meu, não importava o que custasse.
Dez minutos depois eu tava do outro lado da cidade com um dos capangas do Tucão, cercado de fumaça de charuto e de gente esquisita.
– Deixa eu entender isso – disse o capanga, rindo entre os dentes. – Você deve grana pro chefe, e quer pegar grana dele emprestada pra pagar?
– Sim – eu respondi.
– Com juros? – disse o capanga com os lábios tremendo pra conter a gargalhada que ele tava louco pra soltar na minha cara.
– O que você disser – eu respondi com a cara fechada.
– Tudo bem, tampinha – ele disse enquanto contava o dinheiro – mas acho que já sei por que seu velho tá encrencado. Parece que o tino pra negócios não é o forte de vocês.
A única coisa que se espalha pela sociedade goblin mais rápido que um calendário novo da Gatas Empolvoradas é a possibilidade de humilhação pública. O Tucão voltou na mesma noite à loja do meu pai com a gangue toda. Dava pra ver todas as portas da Rua do Cobre abrindo pra ver o engenhoqueiro e seu filho idiota perdendo seu último dinheirinho e se mandando da cidade. Só o papi não tava lá. Ele tinha saído pra descolar outra paçoca, o que era a cara dele: bem intencionado, mas fora de hora. Isso não tinha mais nada a ver com paçoca.
O Tucão e a gangue dele pararam na minha frente feito postes. Só que mais feios.
– Tá com meu dinheiro, pirralho? Os capangas esticaram seus pescoços por cima dos ombros dele, pra ver até onde eu ia com aquilo.
– Com juros – respondi.
O Tucão arrancou a bolsa da minha mão, me deu uns tapinhas na cabeça e caminhou de volta pra rua com a gangue, sem nem contar o dinheiro. Como esse cara gerenciava qualquer coisa mais complexa que uma barraca de salsicha, nunca saberemos.
– Foi bom você negociar com você, moleque – ele gritou por cima dos ombros. – Pedroca, leva essa bolsa. Tá muito pesada.
– É por causa da dinamite – eu disse querendo ajudar.
As câmeras ainda seriam lançadas anos depois, mas eu daria um dedo pra ter uma foto da cara do Tucão e sua gangue olhando pra mim de boca aberta um segundo antes da bomba enfiada embaixo do dinheiro explodir.
Quando a fumaça abaixou, a gangue inteira tinha sumido. Todos os vizinhos olharam juntos pra cratera enfumaçada no chão, e depois pra mim, embasbacados.
Eu sorri e apontei pro céu. Centenas de olhos obedeceram e olharam pra cima.
Tava “chovendo” Tucão, a Gangue da Rua do Cobre e dinheiro tostado.
Fui até a rua para falar com o Samuca, o oleiro, com a algazarra dos vizinhos me apressando. Tudo bem, o truque tinha custado o resto do dinheiro do papi, mas aquelas quatrocentas paçoquinhas seriam só um trocado até o fim da semana.
– Ca-ra-co! – disse o Samuca enquanto saíam goblins de todos os cantos e buracos pra caça ao tesouro mais nojenta do mundo, procurando paçoquinhas intactas. – É isso aí, moleque! A gente tá livre!
– Não vai durar – eu emendei, desviando de uma meia em chamas. – Tem um buraco agora. Outras gangues vão tomar o lugar do Tucão assim que souberem que ele foi pro beleléu. A gente precisa se unir e se proteger. Estabelecer e vigiar rotas comerciais.
– Sim! – gritou o Samuca com os olhinhos brilhando. – Ótima ideia! Quem sabe um dia?
– Não – eu emendei. – Me procura amanhã, eu vou ter um contrato prontinho. Você pode cuidar da produção, certo? Vou cuidar das partes chatas pra deixar suas mãos livres pra produzir.
– Ahn? – disse o Samuca, piscando. Ele observava uma nuvem de paçoquinhas acesas se dirigindo pro telhado do barraco dele. – Peraí, você acha que pode controlar meu negócio? Ouve aqui, molequ–
Eu só disse:
– Bum.
– Bum? – respondeu o Samuca, recuando.
– Bum.
– Por que você fica repetindo “bum”?
– Eu gosto de dizer “bum” – eu respondi com a serenidade arrepiante que só as crianças conseguem. – Olha, me procura amanhã de manhã. Você nem vai perceber que eu estou controlando as coisas até reparar nos rios de dinheiro correndo na sua direção.
O Samuca não era um covarde. Ele tava matando cachorro a grito pra pagar as contas. Pessoas assim tão sempre procurando um jeito rápido e inesperado de ganhar umas paçoquinhas.
– Quer saber, moleque? Por que não? Eu posso cair fora depois, se quiser, certo?
– Claro. Vou deixar uma cláusula no contrato pra isso – respondi. Ele só ia ter que largar o negócio, me pagar uma taxa anual de gerenciamento e escalar uma árvore três vezes por semana e vestido de urso, pra fazer propaganda da nova linha de coisas adoráveis explosivas do papi.
Deixei o Samuca arrastando uma escada pra fora, pra tentar apagar a fogueira de paçoquinhas no telhado dele, e voltei pra casa. Quando o papi chegou, eu tava ocupado escrevendo meu primeiro contrato em letras tão minúsculas que um mosquito de óculos não ia conseguir ler. Contratos são moleza de escrever quando você tem em mente o foco: trapacear o otário que vai assinar. E lembre-se que são esses mesmos otários que acham que as letras miúdas são pra ser lidas antes de assinar, ao invés de mostradas a dez advogados, atestadas num tribunal, desmontadas letra por letra e detonadas num ambiente controlado.
O papi chegou arrastando os pés e limpando a garganta.
– Eu consigo fazer melhor – eu disse antes de ele começar a falar. Nem tive que olhar pra cara dele pra saber que ele já sabia sobre a bomba.
– Qu-quê? – ele gaguejou. Ouvi um saco de papel sendo amassado na mão dele.
– Você me perguntou se eu achava que conseguiria gerenciar seu negócio melhor. Eu consigo. Amanhã de manhã a gente vai botar as mãos na grana do Samuca, e de mais gente depois. Mas eu preciso que você assine tudo isso.
Ele ficou um tempo quieto, tempo que eu aproveitei pra escrever mais umas linhas.
– Você definitivamente puxou a sua mami – ele disse. – Tudo bem, você tem uma semana. Mas se a gente não lucrar o suficiente pra comprar mais dinamite, você vai ter que arrumar um emprego pra comprar, hein?
É, ele achou que eu ia me lascar e aprender uma lição de vida. Mas ele caiu fora e me deixou com minha paçoca nova e meu trabalho. A paçoca ficou dura no terceiro pagamento, e eu decidi guardá-la como lembrança. Ainda guardo, na verdade.
Quando o prazo do Papi terminou, metade dos negócios do quarteirão já fazia parte do Conglomerado Rua do Cobre. Eu já tinha me mudado de lá, mas mandei pra ele três caixas de dinamite, uma roupa de proteção contra bombas e um bônus.
É, com certeza. Foi meio manteiga derretida sim. Mas lembre-se, eu tinha dez anos de idade, engraçadinho. Eu ganhei meu primeiro milhão de paçoquinhas mais ou menos na época que você pegousklaz nadando no lixo tóxico perto da fábrica Comidas Saudáveis do Garzak Queimaveia.
Além do mais, ele era meu papi. Eu cuido de tudo que é meu.

Segredo 2: Malandro é malandro, mané é mané. Não tem meio termo

Os anos se passaram. Nem vou te dar uma descrição em detalhes de todos os negócios que eu tomei, comecei, vendi ou destruí. Eu venci: é o que importa. Ganhei tudo que queria.
Não teve nada a ver com sorte. Sorte não existe. Perdedores falam em sorte. Se você se mover com força, velocidade e resistência suficientes pra cavar seu próprio lugar no planeta, todo mundo vai se curvar, todo mundo vai fazer das tripas coração pra te dar tudo que você quer só pra ser parte do seu sucesso.
Bem, quase todo mundo. De vez em quando você vai topar com outros grandões, e eles vão te cortar como uma árvore sagrada numa festa de desmatamento da Empreendimentos S.A. se você não cortá-los antes.
Durante a Segunda Guerra, eu era a estrela de Kezan. Presidente do imenso Conglomerado da Rua do Cobre, assessor do Sindicato dos Faz-tudo, goblin importante na Coalizão Comercial e o segundo cara mais rico no Cartel Borraquilha. Até que o príncipe mercador Martinez decidiu que queria conhecer a concorrência e me mandou um convite para a festa de aniversário da filha, na mansão dele.
O velho goblin era tão popular quanto uma barra de sabão num navio pirata. Diziam que o príncipe mercador Bondebico ganhava um trocadinho por causa de um tal contrato de exclusividade com a Horda, e o Martinez pensou que se as coisas fossem mal pra Horda, logo a Aliança viria atrás da gente. Então, ele diminuiu drasticamente o volume de negócios para ter certeza que o Borraquilha teria dinheiro e suprimentos suficientes para o caso de haver um embargo comercial e os olhos dos outros cartéis crescerem.
Excelente jogada, mas tinha um problema: a não ser que esteja doente, um goblin não gosta de ser cauteloso. Cautela é uma xaropada. Os financiadores e chefões do Borraquilha tinham decidido que queriam um príncipe mais jovem e mais agressivo para o lugar do Martinez. Adivinha quem?
Seis meses de planejamento antecederam aquela noite, bem antes do Martinez sonhar em mandar o convite. Todos os ângulos tinham sido pensados, cada centímetro do terreno azeitado. Até os outros príncipes já tinham aprovado o plano, tudo por baixo dos panos, mesmo que fosse só para ter um concorrente inexperiente. O sucesso era inevitável: eu seria o príncipe mercador antes de o sol nascer.
Fui caminhando até a mansão do Martinez. Ciça Bateaço, minha assistente pessoal, correu para me alcançar. Anos depois tive que mandar ela embora por contratar assassinos pra me matar na piscina da minha mansão. Ela era mesmo um esplendor.
– Dei uma fuçada… na mesa do Martinez, chefe – ela ofegou. – Ele… escondeu a chave debaixo… de uma estátua de falcão. E eu encontrei a investigação dele… sobre os outros príncipes mercadores.
– Ótimo! – eu respondi. O Martinez realmente estava ficando mole, largando esse tipo de documento por aí. – O que eles tão fazendo? A gente tem que copiar isso para continuar competitivos.
Ciça mexeu nos papéis e respondeu:
– Formando exércitos de mercenários.
– Muito útil. Manda uma cesta cheia de moedas pros Flibusteiros dos Mares do Sul.
– De metal ou chocolate, senhor?
– Chocolate. Eles vão morder, de qualquer maneira. Vai adoçar a boca deles também. Que mais?
– Perfume.
– Perfume?
– O Príncipe Mercador Doneid tá investindo pesado nisso, senhor.
– Tudo bem. Vou economizar o seu tempo. Pega tudo que tá nessa lista e manda um funcionário meu providenciar. E cai fora. Eu tenho uma festa pra ir.
Ciça fez que sim e deu no pé. Eu tinha dado mais três passos na direção da festa quando o Riddlevox, diretor do Sindicato dos Faz-tudo, pulou de uma moita na minha frente.
– Lembra do plano? – ele sibilou.
– Eu escrevi o plano – respondi tentando não ranger os dentes. Eu tinha baseado tudo na maior fraqueza do Martinez: ele realmente amava a filha. Se você é um príncipe mercador, não pode ter família próxima nem amigos. Não é à toa que “amigo” e “perigo” rimam. Meu papi era exceção, claro, pois tinha a ambição de um urso hibernando. Além disso, todos que tentaram sequestrar o meu velho para me ameaçar acabaram descobrindo que é possível atirar um goblin de canhão de Kezan até a Angra do Butim.
– Não vá melar o plano, Gallywix – disse o Riddlevox enquanto voltava para o arbusto. – E não dê uma de espertinho. Você vai ser o príncipe, mas vai trabalhar pra nós, sacou?
– Sim, chefia – respondi, obediente, mas pensei logo: “Vai sonhando, imbecil”.
O guarda perto da pista de dança deu uma piscada discreta pra mim. Eu passei meses substituindo os guarda-costas do príncipe mercador Martinez pelos meus próprios mercenários. Continuei andando como se não fosse comigo.
Já aconteceu com você de todo mundo numa festa virar e gritar para você ao te ver? Não? Recomendo. Cem goblins tentaram chamar minha atenção ou me mandar uma bebidinha. Ignorei todos e nem peguei da patola de lagostroque que circulava numa bandeja. Eu tinha trabalho a fazer.
Eu nunca tinha encontrado a filha do príncipe mercador, a Nessa. Meu espião disse que ela tinha comprado um vestido azul e uma presilha de diamante em forma de libélula para a festa. E também disse que ela estava “deslumbrante”. Claro que eu mandei ele embora, mas quando vi a garota na festa, percebi que, pela primeira vez na vida, eu devia desculpas a alguém.
A Nessa estava tão linda que parecia até que ela estava recebendo hora extra só por causa disso. A pele verde como o fundo do mar, os olhos pretos como a meia-noite numa mina de esmeraldas. O brilho do cabelo cacheado dela fazia a presilha parecer uma bijuteria vagabunda.
Fui andando automaticamente pelo meio da multidão até ela. Nada poderia me deter. Eu tinha que manter a calma. O Plano A dependia de mim, eu tinha que atraí-la até o esquadrão de sequestro para fazer o Martinez se render sem resistência.
– Quer dançar? – perguntei, chutando o Plano A pela janela.
– É, por que não? – ela respondeu. Eu percebi que ela tinha me encarado por todo o meu percurso.Fantástico. – O Nandirx aqui tá me matando de tédio.
Eu arrastei ela para longe daquele banqueirinho, que ficou arrasado, até o meio da pista de dança. Nós conversamos enquanto dançávamos, mas eu não conseguiria te contar o assunto. Eu estava como que embriagado. Meu objetivo corria um sério risco. Se eu desse minha cartada contra o Martinez, perderia minhas chances com ela, e, vou te contar uma coisa, a beleza dela era ainda mais radiante de perto. Tive que me fazer de santinho.
– Casa comigo – eu soltei.
Ela suspirou e disse:
– Eu mal te conheço, Gallywix.
– Podemos resolver isso – eu disse. – Sou…
– Presidente do imenso Conglomerado da Rua do Cobre, assessor do Sindicato dos Faz-tudo, goblin importante na Coalizão Comercial e o segundo cara mais rico no Cartel Borraquilha – Nessa emendou com um sorriso de canto de boca.
Ela tinha lido o meu release!
– Mas não posso me casar com você – ela prosseguiu. – Com certeza você deu sorte algumas vezes, mas eu gosto de goblins cruéis. Do tipo que assume riscos.
Eu fiquei sem fala por um tempo. Ficar sem fala não é minha especialidade, então me recuperei rapidinho.
Contei a ela sobre a minha infância. Esfreguei na cara dela vários clippings de notícias sobre incêndios misteriosos em hospitais e extorsão de órfãos. Até disse onde tinha escondido alguns corpos. E foi daí para pior.
Ela ouviu, pendendo a cabeça pra um lado. Até sorriu.
Quando terminei, ela deu de ombros e afirmou:
– É, acho que é um bom começo.
Que garota, não? Até então eu estava me sentindo um pouco culpado – juro! – sobre o Plano B, mas de repente eu tive certeza de que era o jeito de ganhá-la. Ela queria um goblin realmente mau. Era quase uma autorização!
Eu nem tinha percebido a movimentação atrás de mim até sentir uma bengala batendo no meu ombro. Olhei para trás e… ops.
– Ah, então é você monopolizando minha filha, jovem Gallywix – disse o Príncipe Mercador Martinez, se apoiando de novo na bengala. A mão dele, cheia de grossos anéis de ouro, se fechou em volta do cabo bengala, que se parecia perigosamente com um punho de espada.
Um silêncio ensurdecedor se instaurou na festa. Aqueles goblins já tinham visto punhaladas pelas costas o suficiente para saber que alguma coisa estava pegando. O príncipe continuou:
– É um prazer finalmente te conhecer, e pode ir tirando a mão da mercadoria.
– Desculpe, senhor – respondi, me afastando da Nessa.
– Obrigado. Eu soube que minhas forças de segurança queimaram sua fábrica de produtos falsificados mês passado. Nada pessoal, são apenas negócios.
– Não diga “apenas”, senhor – eu disse sorrindo ironicamente. – Fica parecendo um pedido de desculpas.
A cara enrugada dele se abriu num imenso sorriso:
– Eu sabia que ia gostar de você. Tá curtindo a festa da minha filha?
– Festa dela? – eu disse, fazendo sinal para os guardas. – Não mais. A festa é minha, agora.
– O quê? – Martinez berrou com o cenho cerrado.
– A partir do pôr-do-sol de hoje, eu serei o detentor da maioria das suas ações da Coalizão Comercial, por meio de várias empresas fantasmas e micronegócios. Você pode checar, mas vai descobrir que eu subornei a sua equipe, então nem tente confiar neles. Suas forças de segurança são minhas. Tirei o seu chão. E você alugou esses anéis em uma das minhas lojas. É o seu fim, Martinez. Você tá acabado, e todo mundo sabe disso.
Em algum lugar, um papagaio grasnou. O Martinez ficou vermelho, depois roxo, procurando alguém pra ajudar enquanto meus capangas cercavam a gente. Ergui as mãos para que todos parassem. Para impressionar a Nessa, a próxima parte precisava de um toque pessoal.
– Meu carregamento – Martinez rosnou. – Metade da minha frota tá levando um carregamento de armas para a Aliança agora mesmo. Vou fazer uma fortuna e comprar tudo de volta.
– Que bom que você mencionou isso – retruquei, enquanto puxava um controle remoto do bolso. – Eu trouxe um showzinho pros seus convidados. Aperta esse botão.
– Não!
– Como assim? Você não gosta de surpresas? Tá com medo? Pensei que príncipes mercadores tinham colhões! Aperta o botão, Martinez!
Mostrando os dentes como um leão velho, Martinez meteu o dedo no botão vermelho.
No porto, todos os navios da frota do príncipe mercador explodiram em imensas bolas de fogo, que estrondearam em perfeita ordem alfabética.
Radiante com o choque do Martinez, eu tomei a bengala dele, saquei a espada que meu espião me disse que ficava dentro dela e a apontei para a Nessa sem me virar para ela.
– Você tem uma hora pra cair fora de Kezan antes que eu fure a sua filha toda e jogue você de cabeça no Monte Jakaro – afirmei, perfurando Martinez com o olhar. Então virei para a Nessa e perguntei:
– Cruel o suficiente pra você?
Hum… A cara dela ficou tão pálida que quase dava para ver do outro lado.
– Foi demais? – eu disse, apertando os olhos.
Nessa se desviou da espada, avançou para cima de mim e me deu um tapão na cara. Então, ela apoiou a mão no ombro do pai e o conduziu para fora, por entre a multidão.
Eu larguei a espada e levantei duas mãos e quatro dedos, o símbolo dos goblins para vitória total e completa. Os convidados, meus convidados, urraram em aprovação, correndo para me dar tapinhas nas costas e me parabenizar enquanto enfiavam cartões de visita e subornos nos meus bolsos. Não olhei nenhum deles nos olhos.
Em vez disso, observei enquanto Nessa descia a colina, levando o pai para fora da mansão.

Segredo 3: Se seu plano de aposentadoria não inclui um palácio, não vale nada

Isso foi há mais de vinte anos. Você pode estar se perguntando se eu me arrependo de alguma coisa. Sim, eu descartei o amor da minha vida dez minutos depois de conhecê-la, além de ter providenciado a horrivelmente acidental morte do meu ex-futuro-sogro. Todo mundo que eu conheci tentou me passar a perna. Sozinho para sempre…
Rá! Até parece. Ó, não! Minha riqueza e meu poder infinitos são tudo que eu tenho! Pobre de mim! Me manda um dinheirinho de consolação aí.
Para seu conhecimento, todo ano eu mando para a Nessa uma pintura de mim mesmo aproveitando as minhas riquezas. Ela sempre me responde com cartas-bomba e pacotes explosivos. Quem disse que relacionamentos à distância não funcionam?
Depois de anos escrevendo a versão final desta história, a minha tendinite ataca por qualquer coisa, então vou encerrando por aqui. Agora você já sabe muitos dos meus segredos, mas não se engane, você nunca vai me derrubar. Ainda está para aparecer armadilha que eu não consiga virar a meu favor. Mesmo quandoaquele goblin cujo nome nem vou dizer tentou mandar aquele orc fedido, um tal de Thrall, para me matar, eu saí por cima.
Literalmente. Você viu a minha casa nova? Um palácio no topo de uma montanha em Azshara, vista pro mar, campo de golfe explosivo, esconderijo para bebida, gatas na piscina… Não, claro que você não viu. Manés não são bem-vindos na minha propriedade.
Mas eu não estou me enganando. Eu sei que não vou durar para sempre. Você já deu uma olhadinha pela janela? Este planeta está rachado feito casca de ovo. Azshara pode estar debaixo d’água amanhã.
Você comprou o meu livro, e isso faz de nós amigos, certo? Certo. Então, no caso improvável de você viver mais que eu, só tem uma coisa que você precisa fazer para ser o bambambã de todos os goblins.
Vencer.
É isso aí. Eu te contei que você precisa agarrar o que é seu, ser cruel e ter um palácio para ser cruel nele. Mas se você quer ser eu, bebê, você tem que encarar as coisas como se já fossem suas, só esperando você pegá-las. E você tem que fazer tudo, e de tudo, para pegar o que já é seu.
Então, vai lá e vence. Trapaceie seus amigos e sua família, se aproveite de quem confiar em você, e roube uma mansão bacana logo de cara. Obtenha gordos lucros.
“Mas como eu faço pra ficar rico, príncipe mercador Gallywix?” Boa pergunta, chapa. Isso daria um outro livro, e como você deve ter percebido, eu não tenho o hábito de sair distribuindo coisas de graça por aí.
Faz o seguinte, manda todo o seu dinheiro, joias, saldadinhos fritos e animais exóticos para o meu palácio dos prazeres. Quando eu decidir que você pagou o suficiente, vou te mandar pelo correio uma cópia deFicando Rico Como o Gallywix. E você tem minha garantia pessoal de que não tem treta nenhuma nesselivro*.
Aguardo ansiosamente pela oportunidade de negociar com você, chapa.